quarta-feira, 15 de abril de 2009

OS TRILHOS DO VALE DO RIO DO PEIXE


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Meu colega Paulo Stradiotto me enviou ontem algumas fotografias da região de Videira, no vale do rio do Peixe, em Santa Catarina. Todas as cidades desse vale surgiram a partir de 1908, quando em plena mata virgem começaram a ser construídos os primeiros acampamentos para a construção do prolongamento da E. F. São Paulo-Rio Grande, a partir das cabeceiras do rio, no Taquaral Liso, na atual divisa entre os municípios de Calmon e de Caçador, em plena região contestada entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina. Aliás, é praticamente certo que a ferrovia tenha sido construída na margem esquerda do rio exatamente porque, na época, considerava-se praticamente certo que, do rio Caçador para o sul, essa margem pertencia a Santa Catarina – já a outra margem era ainda uma dúvida só. A questão do chamado Contestado foi resolvida somente em 1916, depois da guerra civil que assolou a região.

Paulo esteve no Carnaval em Videira, uma das cidades do vale. “Só para variar, vi como sempre o abandono da via, dormentes totalmente podres, pontes em ruínas, além de muito mato.” Além do mais, ficou indignado com o fato de o material exposto no museu do Contestado, este em Caçador, estar em estado lastimável, triste de ver os carros e a locomotiva apodrecendo.

Eu, particularmente, tenho uma visão muito peculiar com relação aos trilhos no rio do Peixe. Estes, como em diversas outras cidades do País, têm uma história na cidade, mas, em Videira e em toda a linha entre Porto União e Marcelino Ramos, essa relação é muito profunda.

Conheço a região. Tudo ali transpira história. Cem anos atrás, nada disso existia, os trilhos estavam sendo colocados, vez por outra um trem de construção trafegava pelas linhas e pelas pontes ainda provisórias, trazendo um futuro que muito rapidamente se instalaria ali. De mato fechado a cidades ricas, não foram nem vinte anos. E no meio de tudo isso, uma revolta que se transformou numa guerra civil obrigou o Exército a requisitar a linha para suas operações. Isto gerou uma ira profunda dos revoltosos que passaram a considerar a ferrovia e seus homens como inimigos ferrenhos.

Quando tudo acabou, a ferrovia trouxe a paz e o desenvolvimento. Esses trilhos, mesmo que nunca mais venham a ser utilizados, nunca mais deveriam sair daí. Esses trechos em que eles desaparecem no meio do mato – ver a foto acima, tirada por Paulo – deveriam ser mantidos para a posteridade, com caminhos ajardinados e arborizados tendo-os junto como símbolo do que se pode fazer quando se tem transporte decente. E olhe que a linha ali não era nenhuma maravilha em termos de tecnologia, mesmo para a época, corcoveando ao lado de cada curva côncava ou convexa de um rio que constantemente inundava, fazendo cessar temporariamente o tráfego. Mesmo numa época em que a ferrovia já estava definhando, a imagem das locomotivas boiando no pátio da estação de Herval do Oeste, em 1983, tinha um significado todo especial.

Que esses trilhos jamais deixem a região e sejam vistos como um monumento nacional por toda a história que representaram durante esses últimos cem anos. Esperamos que a susceptibilidade dos catarinenses pense da mesma forma. Nas fotos acima, além da já citada: a estação de Tangará, vista de cima, com o rio do Peixe em primeiro plano, nos anos 1960 (do Álbum Comemorativo do Cinqüentenário do município de Joaçaba, 1967); e um trecho da linha inundado, final dos anos 1930 – acervo do autor.


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