sexta-feira, 29 de julho de 2011

COMO UMA RUA ESTREITA E TRANQUILA VIROU UMA AVENIDA LARGA E DETERIORADA

Anúncio na Folha de S. Paulo (março de 1944)

Estes dias saiu, no blog "Reclames do Estadão", uma propaganda de 1944 que anunciava o lançamento de três prédios geminados e construídos ao mesmo tempo na esquina da avenida São Luiz com avenida Ipiranga, no centro de São Paulo. Ao lado do famoso Edifício Esther, nesta última avenida e já pronto e habitado fazia estão alguns anos.

Por coincidência, eu havia acabado de reler o livro "De Beco a Avenida - A História da Rua São Luiz, de José Eduardo de Assis Lefèvre", que citava a construção do prédio em meados dos anos 1940. E, mais coincidência ainda, eu havia acabado de ver diversos anúncios do mesmo lançamento em outro jornal, no princípio de 1944 - a Folha de S. Paulo.
O palacete que existia no local antes de se construírem os prédios, em fotografia por volta de 1943. Ao lado esquerdo, na avenida Ipiranga, o Edifício Esther. Ao fundo, prédios já construídos na rua Basilio da Gama e Sete de Abril.

Um dos comerciais que vi na Folha - deve ter saído no Estado também - mostrava a casa que existia antes no mesmo local em que foram construído os prédios. Dois me chamaram a atenção. Um por ter colocado a foto do palacete que ali existia na época, da Sra. Virgília da Silveira Saraiva e que eu havia visto no livro e outro por dizer algo como (infelizmente não consegui reencontrar quando tentei) "venha viver em um local muito tranquilo, fora do centro da cidade".

Devia ser realmente mais tranquilo que o centro - mas como o centro era perto então! A avenida São Luiz acabava de ter sido alargada, passando de uma rua estreita para a avenida larga que é hoje, embora atualmente o canteiro central do trecho próximo à avenida Ipiranga tenha sido retirado junto com suas árvores. Aliás, parte do terreno que a casa de dona Virgília ocupava havia sido desapropriado para a ampliação da avenida.

Aí é que vem a curiosidade. O conjunto de três prédios tinha 122 apartamentos, mais espaços para comércio no térreo e na sobreloja. Portanto, 122 famílias ocupariam um espaço onde antes apenas uma família residia. Além do mais, havia entre 70 e 90 vagas nas garagens dos três. É fácil saber que no máximo 25 anos depois estas garagens passariam a ser insuficientes para os moradores e visitantes das lojas.

Tudo isto, em si, já contribuía para que, no máximo dez anos depois do lançamento do prédio, a "região calma" não fosse mais nada calma. Ainda mais se levarmos em conta que o número de edifícios residenciais e comerciais em volta já estava crescendo em velocidade logarítmica. Qualquer pessoa, enfim, já deveria desconfiar que em relativamente pouco tempo a deterioração chegaria para a região, como de fato chegou.

Um dos motivos para que a construção de prédios altos, principalmente residenciais, a partir dos anos 1930, foi certamente o que ocorria durante e após o fim da 2a Guerra Mundial: a falta de moradias na Capital, que crescia demais. Com a imigração de trabalhadores para trabalhar na construção civil, necessãria para o boom de investimentos, esses imigrantes (nordestinos em sua grande maioria) também, sabia-se, em grande parte permaneceriam morando na cidade e na maioria das vezes cada vez mais distante dos locais de trabalho, o que contribuiria muito para o aparecimento e aumento das favelas, não somente distantes, mas também em algumas regiões centrais.

Como se vê, foi fácil se transformar a tranquilidade em área cheia e deteriorada. Nenhum prefeito desde essa época, e mesmo antes, preocupou-se realmente com isto, incentivando a construção civil indiscriminadamente, não prevendo leis que obrigassem, por exemplo, a fazer-se vagas de estacionamento suficientes para pelo menos um carro por apartamento e com transporte público em quantidade que diminuísse o crescimento da já grande quantidade de automóveis particulares que veio após a guerra, especialmente com a instalação de fábricas no final dos anos 1950.
Outro anúncio na Folha de S. Paulo (março de 1944). Basicamente os prédios são iguais ao desenho de lançamento.

Assim como não se preocuparam com recuos dos imensos edifícios, tanto frontais como laterais, com a coleta de lixo de forma eficiente... mas houve gente, como Faria Lima, que decidiu por ampliar as principais avenidas da cidade, bem como ocupar os fundos de vale com outras novas, sem dar grande atenção para o transporte público. Sim, foi ele quem criou a primeira linha de metrô, mas - como é sempre lembrado - a cidade do México, tão grande ou mesmo maior do que São Paulo, também começou a construir o seu na mesma época e tem hoje mais de 3 vezes a quilometragem de São Paulo.

E dirão muitos de vocês, que leram este artigo: ora, mas a São Luiz não é tão ruim, tem ruas piores"! É verdade, mas tenho certeza que poucos dos que compraram seus apartamentos ali nos anos 1940 têm seus descendentes hoje morando nos mesmos.

4 comentários:

  1. Você tá muito rabugento. A avenida São Luiz pode ser movimentada, mas não acho-a nem um pouco deteriorada.No Santa Rita morou o G.Aronson.

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  2. Bom, eu não moraria na São Luiz. Ando bastante por ela atualmente e é uma sujeira só, prédios meio largados, a galeria Metropole é uma porcaria... enfim, tem coisa pior? Sem dúvida. A São Luiz tem que melhorar? Sim, muito. O resto da cidade também, na grande maioria de seus bairros.

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  3. Sei que os apartamentos da São Luís são disputados quase a tapa por quem quer comprar, porque a avenida é considerada meio que uma "ilha" no centro. Um passeio por lá mostra que os prédios no quarteirão entre a Ipiranga e a Consolação estão todos, sem exceção, bem cuidados. Eu moraria ali.

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  4. Trabalhei no Esther por quase 2 anos, em um apartamento em que uma face era na 7 de abril e a outra na Gabus Mendes e o barulho era muito alto, o dia todo.

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