quinta-feira, 26 de abril de 2012

1958, O ANO QUE NUNCA TERMINOU

No hoje distante ano de 1958 eu tinha apenas seis anos de idade. Fiz sete em novembro. Ao mesmo tempo em que passei boa parte do ano (dois meses!) na cama, com febre reumática (a tal do sopro no coração), lembro-me muito desse ano.

Eu e meus pais havíamos retornado no final de 1957 depois de um ano nos Estados Unidos - de navio de linha, imaginem - e a vida no Brasil teria de recomeçar para todos nós.

O ano começou com quase um mês num apartamento no Embaré, em Santos, em frente à praia. Um pombalzão. Acho que o prédio ainda existe. Toda manhã íamos para a praia, já que o número de pessoas dentro do apartamento (pai, mãe, primos, primas, tios, tias, avó) era imenso. Dois quartos, quatro beliches, um sofá-cama e colchões no chão. Mas era legal.

Voltamos da praia no final de janeiro, e meu pai não conseguia encontrar vaga para mim no primeiro ano  primário em nenhuma boa escola. Um amigo do pai dele, dos tempos da E. F. São Paulo-Rio Grande lá no Paraná, conseguiu cavar uma vaga no Colégio Visconde de Porto Seguro, ainda na Praça Roosevelt.

E lá fui eu, com uma semana de atraso, começar minha vida escolar. Um monte de gente em volta, crianças de seis e sete anos como eu, falando entre alguns deles uma língua totalmente estranha para mim, o alemão. Professores que faziam piadas em alemão para as crianças, onde a maioria ria - eu não entendia nada, apesar de meu pai falá-lo fluentemente, embora não em casa. Algumas vezes, alguns contavam histórias de como viveram na Alemanha durante a guerra, não somente a Segunda, mas também a Primeira, no então não tão distante ano de 1914. A aula era de manhã. Eu ia e voltava da escola na perua do seu Zig - ou Herr Ziegfried, outro alemão.
 Durante a tarde, como meus pais trabalhavam fora (embora almoçassem todos os dias em casa), eu ficava com a empregada. Obviamente, ela mudava toda hora. Nesse ano, lembro-me bem, tinha uma que ficava ouvindo rádio na cozinha. Ouvia Caubi Peixoto (que eu detestava) e novelas. No fim, o que me lembro era dos anúncios cantados, como o "as flores desabrocham... com a luz do sol... e a beleza das mulheres... com o Creme Rugol... Creme Rugol... Creme Rugoo-ool!" A melodia está na minha cabeça até hoje. Bem brega, mesmo. Já o creme existe até hoje.

E tinha a música do "sua pele ficará maravilhosa... macia, suave, gostosa... com o Creme de Alface Brilhante!". Era assim, sem rimar, mesmo. Também lembro da melodia.

Televisão só depois das seis da tarde. Até às oito no máximo. Aliás, eram somente três canais: Record (o sete), Tupi (o três, que depois virou quatro) e o das Organizações Victor Costa (OVC), o canal cinco, que muitos anos depois, foi comprado pela Globo. Na Record tinha o Pullmann Jr., que passava desenhos do Picapau. A Tupi tinha o Pim Pam Pum. Os canais, aliás, começavam a programação ao meio-dia. A OVC, só às 6 da tarde. À meia-noite, acabavam.

Em maio e junho, sem ir à escola, pois estava proibido pelo médico, eu ficava lendo revistinha. O Pato Donald, Mickey, Mindinho, que tinha as histórias do Pernalonga, Papai Noel (era o nome da revista que publicava as histórias do Tom e Jerry), Luluzinha... Ou brincando em cima da cama. Eu ficava na cama dos meus pais, somente à noite passava para a minha. Da Copa do Mundo na Suécia, só me lembro dos fogos depois do jogo final vencido pelo Brasil. Isso foi por volta do meio-dia.

Voltei para a escola em agosto, mas com mil recomendações. Bem gordinho, por causa da cortisona. Passei de ano, apesar de faltar por um quarto do ano.

Era uma cidade tranquila, mas eu só conhecia o caminho do Sumaré, onde morava, até a Praça Roosevelt, e a volta. Também sabia o caminho para ir de casa até a casa da minha avó Maria, na Vila Mariana. Íamos de bonde - meu pai não tinha carro nessa época. Tínhamos de subir o ladeirão desde a rua Teffé até a avenida Doutor Arnaldo para tomar o bonde. Só em 1959 papai comprou um Studebaker e aí saíamos mais. Ele ia até a minha avó ou pela Paulista ou pela avenida Brasil.

Meus avós paternos moraram... bem, mudavam de casa a toda hora. Entre 1958 e 1961, quando meu avô Hugo faleceu, eu me lembro de tê-los visitado numa casa na rua Cardoso de Almeida, perto da rua Wanderley; em outra na rua Silva Jardim, no Alto da Boa Vista; num apartamento na avenida General Olimpio da Silveira, esquina com a rampa da avenida Pacaembu; e uma casa na avenida Itacira, em Indianópolis - nossa, era um deserto, era a casa deles e mais uma geminada e só isso no quarteirão deles. O vizinho era o Silvio Santos. Foi nessa casa que meu avô faleceu na noite de 8 de março, três anos depois de 1958. No dia seguinte, eles iriam se mudar novamente - desta vez, para uma pensão na rua Martim Francisco, perto da rua Jaguaribe.

O ano acabou com meu aniversário de sete anos em novembro e depois, claro, com o Natal na casa da minha avó Maria, como sempre. As lembranças, no entanto, ficaram mais fortes que qualquer outro ano em minha infância.

3 comentários:

  1. Mais uma vez , parabéns , Sr. Ralph ,como sempre o que o senhor escreve, dá um prazer enorme em ler .Obrigado.

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  2. Lindas suas memórias. São preciosidades. Devia escrever um livro sobre essa São Paulo que não existe mais, infelizmente.

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  3. Estou encantada! Somente que vivenciou é capaz de traduzir com tamanha riqueza de detalhes os fatos marcantes aqui relatados! Memória preciosa a sua Sr. Ralph, mergulhei em espírito e viajei, foi como se eu também vivesse a sua história junto a ti no âmago de minha alma. Minhas sinceras saudações.

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