quarta-feira, 16 de maio de 2012

ROMANTISMO E REALIDADE


Quando escrevi o livro Um Dia o Trem Passou por Aqui, em 2001, eu o fiz com um primeiro capítulo chamado "A Ferrovia Romântica". Era para ser o quarto capítulo, mas minha esposa me convenceu a colocá-lo primeiro, antes dos outros, como "gancho" para a leitura. Foi ótimo.

No fim das contas, o livro todo puxa para uma ferrovia romântica do passado, que existe mais na memória e na saudade das pessoas do que na realidade em que ela existiu.

Isso é um caso comum: a lembrança dos pedaços sempre bons de nossa vida. "Os bons tempos"... quais seriam os bons tempos, seriam aqueles em que nós sempre vivemos ou será que eles eram bons apenas porque éramos mais jovens? É difícil definir os bons tempos, "o velho e bom professor Tal"...

Qual seria a realidade, afinal? A realidade é mais cruel, muitas vezes muito mais cruel do que pensamos. Há pouco tempo, a irmã mais velha de um amigo meu, ela alemã e nascida na guerra de 1939, contava-me sobre os horrores que seus olhos de criança de 4 anos ainda se lembrava de aviões passando sobre sua cabeça na Turingia e do incêndio do Jardim Zoológico em Berlim causado por bombardeio. Como isso marca.

Quantas pessoas não se deliciam com imagens da guerra, uma guerra que a maioria das pessoas vivas hoje não presenciou ao vivo? Ou mesmo pelos jornais? O "romantismo" do afundamento do Bismarck no Mar do Norte e do Graf von Spee nas costas uruguaias, em 1939 e 1940, onde centenas de soldados morreram? Ou do Dia D, ou da retirada de Dunquerque, na França? Da invasão da Russia por Napoleão e mais de cem anos depois por Hitler? Quantas pessoas não foram assassinadas ou morreram de fome e de frio neste episódio?

E da Revolução de 1932, das quais São Paulo tanto se orgulha? Realmente, foi uma guerra onde o entusiasmo inicial da ida para os campos de batalha realmente existiu! Porém, em poucas semanas, assim como os trens das tropas alemãs, francesas e inglesas partindo para o fronte em 1914, de lugares como seus próprios países e de locais tão distantes como a estação da Luz em São Paulo, todo esse entusiasmo se transformaria em desespero.

Que romantismo é esse que tanto enaltecemos? Mesmo assim, continuamos a nos lembrar com saudades de coisas que nem presenciamos. Como podemos ter saudades do que não vivemos? Faz sentido isso? Ainda assim, continuamos nos emocionando ao ler velhos relatos de tempos passados...

Quantas pessoas não morreram em acidentes ferroviários no Brasil e no mundo inteiro? E mesmo assim, continuamos nos lembrando de ferrovias como algo bom em nossas vidas, apesar de criticarmos o que ainda existe hoje para nós aqui em São Paulo, como o metrô e a CPTM, muito, mas muito melhores dos que os trens de subúrbio de antigamente?

Era tão melhor assim a nossa infância? Claro - salvo exceções - mas, afinal, éramos muito mais jovens, a responsabilidade era mínima, nossos pais faziam tudo por nós - quando podiam, claro. A vida era mais calma, também, Meus pais, que ambos trabalhavam fora, vinham almoçar em casa todos os dias, dava tempo! Isto, em São Paulo, que na época já tinha dois milhões de habitantes!

Não nos lembramos, ou não fazemos questão de lembrar, no entanto, dos maus tempos. Preferimos a antiga vida calma e jovem. Enfim, somos contraditórios. Choramos às vezes simplesmente por lembrar. De nada em especial, somente de... lembrar. Pois o que lembramos não voltará mais.

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