domingo, 10 de agosto de 2014

AS FERROVIAS BRASILEIRAS NOS JORNAIS, DE 1854 A HOJE

Propaganda da automotriz Estrela da SPR em 1939: de São Paulo a Santos pada concorrer com os ônibus (Folha de S. Paulo, 24/9/1939)
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Quando as ferrovias começaram a ser discutidas no Brasil, estávamos na década de 1830. Porém, somente dezoito anos depois, quando diversos países da América do Sul, Central e do Norte já tinham rodado suas primeiras linhas, foi que o Barão de Mauá - que ainda não era Barão, era apenas o homem mais rico do Brasil e provavelmente do mundo, Irineu Evangelista de Souza - inaugurou catorze quilômetros de linha na Baixada Fluminense, na vila de Magé.

Nos próximos seis anos, mais quatro estradas de ferro foram construídas e tiveram tráfego inaugurado, sendo uma na Província do Rio de Janeiro, uma na corte (cidade do Rio de Janeiro, então a capital imperial), uma em Pernambuco e uma na Bahia. São Paulo ainda não era a potência que se tornaria décadas à frente; inauguraria sua primeira ferrovia em 1867, quando as cinco ferrovias que já funcionavam já tinham estendido suas linhas ou, no mínimo, tinham projetos concretos para isto.

Porém, a SPR - São Paulo Railway - paulista acabaria em pouco tempo se tornando a ferrovia mais rentável do Império e uma das mais rentáveis do mundo, com apenas 140 quilômetros, unindo Santos a Jundiaí, construídos em cinco anos.

Todas as ferrovias citadas acima e mais muitas outras que vieram cada vez mais rapidamente nas décadas seguintes, bem como seus prolongamentos, quando houveram, tinham suas festas de inauguração para mostrar ao povo das cidades por onde ela passava que o futuro havia checado. Revistas e jornais do país inteiro, do interior e das capitais provinciais, descreviam todas essas comemorações em detalhes, com todos os presentes, horários de chegada e partida, etc.

É evidente que cada jornal puxava a brasa para a sua sardinha, ou seja, falavam mais das estradas de ferro locais do que das de outras paragens. Uma exceção, no entanto, eram as ferrovias cariocas e fluminenses, que se situavam em torno ca capital imperial.

Embora diversos planos ferroviários tenham sido presentados desde o início, nenhum foi seguido. As ferrovias iam sendo aprovadas e eventualmente construídas de acordo com o interesse de cada grupo de acionistas que as financiavam. São Paulo foi uma das poucas províncias em que as ferrovias eram projetadas a partir da capital, ou a partir de pontos estratégicos dessas ferrovias radiais. Em Minas Gerais, por exemplo, bem como em Santa Catarina, as linhas eram construídas sem necessariamente partirem da capital; muitas delas entravam na província vindo das provincias limítrofes.

No entanto, mesmo com tudo isso, a ferrovia era notícia. Nos jornais do século XIX, notícias que envolviam o assunto eram quase que diárias. Era difícil abrir um jornal e não encontrar nenhuma notícia ou anúncio que não falasse da grande maravilha do século XX.

Com a quilometragem de trilhos se espalhando pelo país, chegando ao máximo de 38 mil quilômetros em 1960, as notícias aumentavam em números. Porém, a decadência ferroviária começou antes disso; pode-se dizer que iniciou-se nos anos 1920 com a construção de rodovias, que, embora ainda em terra batida, eram transitáveis pelos poucos automóveis, ônibus e caminhões que ainda eram poucos, mas que passaram a crescer em número rapidamente.

Daí para a frente, uma série de outros acontecimentos locais e mundiais influiram bastante no aceleramento da decadência dos trilhos, que se consolidou quando as pessoas mais abastadas e que usavam bastante os trens de passageiros começaram a viajar de automóveis e aviões, menos confortáveis, mas mais caros. Isto se deu após o final da Segunda Guerra, quando os veículos sobre pneus começaram a baratear e diversas estradas de rodagem começaram a ser pavimentadas. As empresas ferroviárias passaram a perder passageiros e a diminuir a oferta de trens de longa distância; e eram exatamente els que, apesar de não terem nem de longe a rentabilidade dos trens cargueiros, eram os que obrigavam as ferrovias a manter as linhas em um estado minimamente decente, pois os desastres causava verdadeiras carnificinas.

Até os anos 1940, ainda era possível se ver nos jornais as notícias de modificações de traçados, compras de locomotivas e equipamentos, tabelas de horários, anúncios de viagens de passageiros, melhorias nas estações ferroviárias e, nas seções de turismo dos jornais, a opção de ida e vinda às cidades turísticas com trens, quando estes existiam como opção.

Porém, a queda dessas notícias nos anos 1950 torna-se vertiginosa; nos anos 1960, elas praticamenta acabam; até quando as cidades possuíam linhas de trens para serem alcançadas pelos visitantes, eram citados como meio de transporte somente as opções rodoviárias e aéreas. Pior: foi nessa década que os anúncios de extinção de linhas tornaram-se comuns. Entretanto, somente por pouco tempo; muitas linhas eram erradicadas e nem se citava isso nas reportagens jornalísticas.

Isso foi seguindo ladeira abaixo. Nos anos 1970, 80 e 90, as reportagens falando dos péssimos estados das linhas de passageiros eram as que predominavam. Estações em ruínas, desastres que acabavam servindo de desculpa para o final dos trens, etc.

Por fim, as privatizações do final dos anos 1990 aceleraram a extinção das poucas linhas de passageiros restantes - aliás, mesmo estas, nem sempre eram anunciadas, bem como o arrancamento de trilhos. Somados às precárias condições dos trens metropolitanos (que, afinal, foram recuperados aos poucos, mas somente a partir de 2000), tudo isso levou aos leitores e ex-usuários, bem como os não-usuários das linhas a raciocinar como se a ferrovia fosse algo do tempo, no máximo, da República Velha (1889-1930) e que, daí para a frente, tornaram-se obsoletas.

Só que no Primeiro Mundo inteiro, ferrovias movem os países com uma percentagem nos meios de transporte bastante alta. Aqui no Brasil, somente metrô, trens metropolitanos e três linhas de passageiros (duas da Vale e uma no Amapá) funcionam regularmente.

Enganaram os brasileiros. Mas qual a novidade? Vimos sendo enganados desde os tempos de Cabral.

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