quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A MÁ VONTADE DA SOROCABANA EM 1938

A Martinópolis do início dos anos 1940.

Sorocabana de 1938: em 10 de setembro o jornal Estado de S. Paulo publica uma carta,  enviada por quarenta e duas pessoas físicas e jurídicas da cidade de Regente Feijó, Alta Sorocabana.

Notar por favor a ortografia da época (letras duplas, á e não à, falta de alguns acentos e outras diferenças).

O meio de transporte é, sem dúvida, um dos principaes factores da prosperidade de uma zona e quando ella é servida por uma Estrada de Ferro que descuida desse factor basico, as mercadorias ficam até depredadas do seu valor real, devido á morosidade do transporte e, em casos não raros, ficam ellas deterioradas, quando se trata de genero de pouca durabilidade, causando prejuizos sem conta ao commercio e á lavoura. Acontecimentos dessa natureza determinam pois a pouca prosperidade de uma determinada região.

Nas estações deste municipio, (Regente Feijó, Rancharia e José Theodoro), existem approximadamente, mais de cinquenta mil saccos, de café inscriptos para embarque e requisições para mais de 50 vagões para cereaes, Estes pedidos são geralmente feitos, muitos delles, ha mais de um mez.

Nota: José Theodoro é a atual cidade de Martinópolis.

Tratando-se do café, os prejuizos são elevados. Nas estações há pedidos registrados para milhares de saccos. A estrada não pode ignorar esses pedidos, porém é tal o desinteresse que devota ella ao publico que esses pedidos ficam esquecidos, como se fossem simples algarismos sem finalidades. 

Existem casos de vagões fornecidos 60 dias depois de requisitados. Isto se necessario for, facil será provar.

A demora, quando obedece a um tempo razoavel, é perfeitamente supportada pelo publico que está acostumado a soffrer a morosidade com que é servido pela Estrada ha longos annos. Quando, porém, passa ella os limites da possivel tolerancia, vemos estão surgir estas e outras reclamações que exprimem o descontentamento de toda uma região.

Estamos cansados de ser mal servidos por ella e é justo que manifestemos esses nosso descontentamento. Muitos pedidos foram feitos á Estrada e a nenhum delles tivemos prazer de receber pelo menos uma palavra de esperança ou uma simples resposta de cortezia.

Ha grande desigualdade no serviço de fornecimento de vagões, o que prova a falta de um melhor controle das necessidades das estações. Podemos citar, por exemplo, a Estação de Presidente Prudente onde os vagões são fornecidos logo após pedidos, e o Armazém da Estrada eatá sempre apto a receber mercadorias. Podemos provar isto, pelo simples facto de estarem os machinistas de café de Regente Feijó embarcando seus cafés naquella Estação, percorrendo nada mais de 18 kilometros de Estrada de rodagem, encarecendo assim o seu producto com o transporte desta Estação para aquella, e tem um frete mais elevado por ser aquella estação mais distante de Santos. Milhares de saccos estão sendo transportados para Presidente Prudente e muitas vezes, são lá embarcados directamente em vagões. Isto vem provar que lá sobram vagões quando aqui esperamos por elles às vezes até 60 dias.

Em Rancharia também não ha falta de vagões. Isto explica-se porque, sendo a Sorocabana uma rodovia que serve a fazenda Bastos, cidade localizada entre esta Estrada e a Companhia Paulista, não servindo bem ella aquella localidade, as mercadorias se escoarão pela Paulista,sendo transportadas para Marilia por caminhões. 

Quem viaja pela Estrada de Ferro Noroeste pode observar a grande quantidade de vagões da Sorocabana existente naquella linha. Porque fornece a Sorocabana esses vagões? - Porque não os fornecendo ella, fornece-os a Paulista. - Porque motivo em Baurú as mercadorias são até procuradas nos Armazéns particulares, e a Estrada procura fazer sua freguezia, captivando a sympathia das firmas exportadoras? Porque no caso contrario, essas mercadorias se escoarão pela Paulista também.

Nós estamos nos confins do Estado, em um bêco sem sahida. Disso se aproveita a Sorocabana. - As nossas mercadorias serão sua sem duvida nenhuma e não ha concorrencia de outras Estradas. Ficamos portanto para quando houver occasião.

É portanto pouco razoavel a nossa Estrada. Deixe ella de fazer o que não lhe é possivel e procura servir com mais presteza uma zona que não possue outros meios de transporte. Procure servir com mais carinho esta enorme zona que será talvez, mais tarde, o seu único celeiro. 

Fazendo este apello esperamos ser attendidos. Se viemos para estas columnas é tão somente porque já pedimos demais e nunca fomos ouvidos.

Regente Feijó, 6 de Setembro de 1938.

É sempre interessante assinalar que foi por causa deste pouco interesse pelos clientes, nunca justificável, mas que ocorria pela arrogância, muitas vezes, não exatamente por parte da diretoria da Estrada, mas principalmente pelo chefe de estação, cargo que, em determinadas cidades, comparava-se com o do Prefeito e do Vigário...

Foi assim que aos poucos, os caminhõezinhos vagabundos e mambembes que existiam na região foram pegando aos poucos as encomendas e produtos da região, levando-as diretamente para São Paulo e Santos, mesmo com as horríveis estradas de então. Afinal, por causa dos atrasos e pouco caso da Sorocabana, eles levavam menos tempo que os trens, com sua boa vontade.

3 comentários:

  1. O descaso com os clientes da sorocabana, da E.F.S.P.R.G. e também com a segurança do tráfego no caso da Central do Brasil e de muitas outras ferrovias acabou ajudando a arraigar ainda mais fundo na memória coletiva dos brasileiros o falso conceito de que ferrovias são ultrapassadas tecnologicamente, o que (sem trocadilhos) pavimentou o caminho do sucesso do rodoviarismo nacional. Pena que será difícil mudar pelo menos 81 anos de marasmo, deboche e descaso...

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  2. E por falar em Bêco sem Sahida de nossas ferrovias, caro Ralph, seguem dois links de noticias sobre o modal para sua consideração:
    http://www.antp.org.br/website/noticias/clipping/show.asp?npgCode=37B613E9-DD87-430F-8D7A-8FAB93F65A8A

    e:
    http://www.antp.org.br/website/noticias/clipping/show.asp?npgCode=D21D4F88-58DA-4FE4-982C-3A49841B04D8
    Um abraço , Jorge Machado

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