domingo, 31 de julho de 2016

O LIXO DE ASSIS, SP, E O BOM GOSTO DE PASSO FUNDO, RS

Estação ferroviária de Assis, 2016

Para quem acha que grafite, ou pichação, é arte, que veja o estrago que foi feito por vândalos (provavelmente autorizados pela prefeitura, porque, no Brasil, tudo funciona ao contrário do resto do mundo) na antiga estação ferroviária de Assis, na Alta Sorocabana paulista. A foto foi tomada por Silvio Rizzo no dia 26 de julho.

Estive lá em 2011. O prédio ainda sediava um pequeno museu ferroviário. Não sei agora, mas, com essa porcaria que fizeram, a impressão que tenho é que sedia um esconderijo de bêbados, mendigos e drogados.
Estação ferroviária de Passo Fundo, 2016

Enquanto isso, em Passo Fundo, RS, a antiga estação ferroviária, construída em madeira, foi recentemente restaurada e está assim como se vê na fotografia enviada por Vitor Hugo Lanzaro e tomada três dias depois da de Assis. Bonita, agrada aos olhos e preserva a arquitetura original sem pinturas esdrúxulas. Preserva a história, sem fazer o visitante achar, como em Assis, que a ferrovia era parquinho de diversões de andarilhos.

Nota ZERO para a cidade de Assis e DEZ para Passo Fundo.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

BARUERI E O TERMINAL DE ÔNIBUS


Comparem a deliciosa Barueri de 1900 com a foto de ontem tirada de um local muito próximo à de 1900 

Quando olhamos a Baruery de 1900 (a fotografia que deu origem ao desenho acima, bastante fiel, deve ter sido tirada entre 1900 e 1920), vemos uma cidadezinha cativante, o sonho de todos que querem "morar em uma pequena vila do interior".
Esta foto foi tirada por mim ontem (28 de julho) de cima da plataforma da estação atual. O que dá para ver? O leito da rua e mais nada... todo o resto é diferente. 

Na época, Barueri era chamada de "estação de Baruery", havia um pequeno largo em frente à igreja e na saída da estaçãozinha, a Sorocabana passava ali todos os dias mas longe da frequência com que a CPTM passa hoje, com trens a cada cinco minutos, dependendo do horário. A sede do município era Parnahyba, distante dali cerca de 12 quilômetros e alcançada depois de se percorrer a pé ou a cavalo um caminho de terra de nome Estrada Velha de Ytu, subindo e descendo diversas colinas que até hoje existem.

Este caminho corria aproximadamente no mesmo leito da hoje chamada de Estrada dos Romeiros. Ali, em frente à igreja, ela adquiriu, provavelmente na época da foto, o nome de rua Campos Salles, nome que ainda mantém. O largo em frente à igreja era o largo de São João e o córrego do mesmo nome ainda estava meio escondido ao pé do morro que se vê em primeiro plano.

O trem que ali chegava o fazia apitando. Barueri era um povoado que não tinha mais de 200 habitantes. Porcos e vacas pastavam e galinhas ciscavam pelas ruas. O caminho que se via morro acima era parte da estrada citada.
Rua Anhanguera, sentido Carapicuiba. Aí ela segue o leito da antiga estrada de Itu. À direita, o morro de dima do qual deve ter sido tirada a foto de 1900. Só que ele foi cortado depois disso para o alargamento da estrada, então, hoje, para tirar a foto do mesmo local, teríamos de estar suspensos no ar. À esquerda, os trilhos da CPTM não podem ser vistos pois há um desnível entre eles e a avenida e sua calçada.

Tudo isso mudou. Hoje, cem anos depois, o município desmembrou-se de Santana de Parnaíba e se tornou um dos vinte mais ricos do Brasil. Santana de Parnaíba, pobre que era, melhorou um pouco mas está longe de ter a arrecadação da vizinha rica. Barueri, no entanto, pagou o preço da riqueza. Cresceu e hoje alcançou 300 mil habitantes (Parnaíba não passa de 120 mil). O rio foi canalizado e entubado. Desapareceu das vistas. A igreja da pintura foi derrubada e mudou-se dali. O largo não é mais largo e está coberto por um horroroso terminal de ônibus (não há como ter terminais de ônibus bonitos). O sol sumiu do antigo largo. A estação pequena deu lugar a uma grande, um monstrengo de concreto. Bastante funcional, mas... feia.
Embaixo dos trilhos, na foto, a rua Anhanguera e além dela terrenos do Exército. Google Maps

A cidade não tem mais porcos e galinhas, mas tem a fumaça dos ônibus - já o trem é elétrico. A fotografia tirada ontem por mim não mostra exatamente a mesma posição, mas vê-se claramente que não há mais igreja e nem a pequena estação. Acho que a de 1900 foi tomada de cima de um morro que existe "para lá" da linha, num ponto que ele foi cortado, portanto, somente a programação de um drone naquela altura poderia conseguir uma foto igual à antiga.

A única salvação para o centro de Barueri, para que ele recupere o antigo largo e este volte a ter o sol das manhãs, é transferir-se o terminal para o outro lado da linha. Ali há uma área de descampados grandes, que, creio, pertence ao Exército, sendo este o motivo de que tenha sobrevivido praticamente virgem até hoje. Seria uma obra cara. O terminal teria de ser mais amplo para ter mais ônibus e pelo menos duas passagens subterrâneas para os ônibus teriam de ser construídas. Pelo mesmo duas passarelas elétricas teriam de ligar a estação ao terminal. Obra cara e que leva tempo. Mas liberaria o estreito largo ("estreito largo"? Expressão estranha) e melhoraria o terminal hoje pequeno e espremido de ônibus.
Foto do Google Maps. A grande cobertura retangular no centro da foto é do terminal de ônibus, que ocupa todo o local onde um dia foi o largo São João. A rua à sua direita é a Estrada Velha de Ytu, hoje rua Campos Salles, início da Estrada dos Romeiros. As linhas da CPTM são facilmente localizáveis pelas compridas coberturas das plataformas. Entre a linha e o terminal está o prédio da estação atual da CPTM. 

Uns querem mudar a estação e o terminal de lugar. Não vale a pena. Os comerciantes perderiam tudo o que conseguiram e não se vai conseguir evitar que os mesmos ou novos interessados encham novamente a área da estação e do terminal.

De qualquer forma que analisemos a mudança da cidade em cem anos, não há como deixar de concluir que tudo isto foi inevitável, ainda mais para uma cidade tão próxima de uma das cinco maiores cidades do planeta Terra - a São Paulo de todos nós.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

SOROCABANA E O RAMAL DE CAPÃO BONITO EM 1949

O ramal lenheiro de Buri a Capão Bonito, que aparece tracejado no mapa do IBGE publicado em 1960, é hoje o leito de uma rodovia.
Em 1948, um diretor da Sorocabana cedeu o ramal lenheiro de Buri a Capão Bonito, com 37 quilômetros, a um senhor de nome Leão Novaes para que servisse exclusivamente para o transporte desse fornecedor. Porém, algum tempo depois, o ramal foi aberto ao tráfego público para incentivar o desenvolvimento da região.

Ramais lenheiros eram aqueles abertos pela ferrovia para buscar lenha em locais mais afastados das linhas e estações, para suprir lenha para combustível das máquinas a vapor da época. Esse fornecimento aumentou e tornou-se mais crítico durante a guerra de 1939-45, com a dificuldade de importação de carvão e com o aumento do tráfego, principalmente num ramal que vinha do sul do País.

Porém, o ramal aberto ao tráfego público estava acarretando prejuízos à Sorocabana. Além disso, o Sr. Luiz Novaes se queixava que esse procedimento também estava lhe causando prejuízos. Ora, se a Sorocabana aceitara as condições de exclusividade do Sr. Novaes, a fim de assegurar o abastecimento de lenha para o ramal de Itararé, onde estava a estação de Buri, não poderia ela permitir a concorrência de outros fornecedores. 

O Sr. Novaes havia custeado uma parte do ramal lenheiro, ao entregar lenha com desconto para a Sorocabana no ramal de Itararé e alegado também que havia cedido lenha a preços mais baixos que seus competidores durante a guerra (pois, evidentemente, os preços da lenha aumentaram durante a guerra, pela famosa lei da oferta e da procura).

O fato é que a situação caiu nas maõs de um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo, que achou estranho uma ferrovia estatal agir desta forma, desconfiando que havia problemas nas atitudes do Sr. Novaes e também na conduta de funcionários da Sorocabana. Afinal, como poderia o ramal dar prejuízo a ela e ao seu concessionário e continuar funcionando? E por que com todo o prejuízo do Sr. Novaes, ele continuava usando o ramal?

Sem entrar em outros detalhes, pois ainda não consegui mais, vale informar que o ramal já existia nos anos 1930 e foi extinto provavelmente em meados dos anos 1950. Tinha esse ramal pelo menos dois postos telegráficos em sua linha, de nome quilômetros 304 e 316. O mapa de Buri da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, lançado em 1960, ainda mostra o ramal e pode ser visto acima.

Quanto ao que aconteceu com a denúncia na Assembleia, feita em 1949, e com o Sr. Novaes e seu ramal, fico devendo por enquanto, mas é uma história interessante sobre um ramal quase que desaparecido na história das ferrovias paulistas. E confesso que alguns pedaços que consegui sobre sua história, em fontes diferentes, ainda não se encaixaram muito bem.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

SÃO PAULO BY TREM E ÔNIBUS

Jesus Cristo pode ser o dono da cidade, mas se esqueceu disso. Foto de minha autoria, hoje.

Nove e meia da manhã. Caminhada até o ponto de ônibus seguida de embarque no ônibus para Novo Horizonte, bairro do qual não tinha a menor ideia de onde ficava. Tomei esse porque precisava chegar à estação de Carapicuíba. No caminho tortuoso, descubro que, depois do centro de Alphaville, o único passageiro sou eu. O ônibus faz voltas dentro do bairro que é quase inacreditável. Seria, se eu não tomasse os coletivos toda semana, uma ou duas vezes.

Com a cobradora e o motorista, descubro que Novo Horizonte fica em Carapicuíba mesmo, perto da famosa Vila Dirce. Esta eu conheço. Finalmente, atravessamos o Tietê imundo como sempre, depois a linha da Sorocabana e o ônibus para no sinal. Ele abre a porta gentilmente para que eu desça, pois o ponto era mais longe ainda da estação. Caminho no meio da imundície das ruas da cidade - a mais suja que conheço no Estado, e de longe - e entro na estação.

A estação quase não tem escadas rolantes. Subo e desço escadas e chego na plataforma e o trem para Julio Prestes aparece em menos de dois minutos. Ele demora um pouco para partir. Finalmente, fecha as portas e imediatamente aparece um engraçadinho metido a vendedor de bugigangas, comuns nos trens da CPTM e, agora, também nos trens do metrô. O sujeito brada: "o perigo passou, a porta fechou, o trem andou e o camelô chegou". E sai vendendo sei lá o que.
Edifício no largo General Osório, no trajeto entre as estações de Julio Prestes e da Luz. Foto de minha autoria, hoje.

Meu destino final: a avenida da Liberdade, num banco próximo à rua São Joaquim. Para chegar ali, deveria fazer como faço normalmente: descer na Barra Funda e tomar o metrô para a Sé e baldear para a linha Norte-Sul até a estação São Joaquim. No trem, mudo de ideia e desço na estação Julio Prestes. Saio e caminho pela alameda Cleveland, rua Mauá e avenida Casper Líbero, onde entro na Estação Luz da linha 4. Pelo corredor subterrâneo, são quase dez minutos de caminhada para chegar s plataformas da estação Luz da linha 1.

Embarco ali e sigo até a São Joaquim. Desço do trem e subo para a avenida da Liberdade. O banco fica em frente à sede do Centro do Professorado Paulista, um prédio dos anos 1970 que substituiu a sede anterior, que ficava num casarão do princípio do século passado que foi totalmente desfigurado pela reforma que meu avô Sud Mennucci fez em 1937 para abrigar o Centro. Faço o que tenho de fazer no banco e volto para a estação.

Casa na avenida Sumaré (trecho que agora é Paulo VI), pouco depois da rua Grajaú, sentido Henrique Schaumann: hoje está à venda. A porta e algumas janelas mostram que é muito antiga, possivelmente dos anos 1920 - no máximo, anos 1930. O loteamento original é de 1928. Foto de minha autoria, hoje.

Pego o metrô e sigo mais para o sul, na estação Paraíso, onde baldeio para a linha 2 e sigo para a estação Sumaré. Desço do trem, subo pelas escada para a avenida Doutor Arnaldo, entro à esquerda na Cardoso de Almeida, desço à esquerda pela rua Veríssimo Glória (ladeirão, que cansei de subir e descer, a pé e de carro, desde os anos 1950) para, em seguida, tomar a avenida Sumaré, e descer até a esquina da rua Vanderlei, onde há outro banco onde tenho de entrar.

Depois de 20 minutos ali, saio e, agora, tenho de subir a avenida Sumaré até a rua Teffé, ali, naquele cruzamento onde passei pouco antes, da avenida com a Veríssimo Glória. Pelo caminho, que fiz pela calçada oposta, encontrei duas casas bem antigas, que foram, com absoluta certeza, construídas nos primórdios do loteamento original do Sumaré (1928). Paro, olho e fotografo.

Entro na rua Teffé. Chego na casa da minha mãe às treze horas em ponto. Fico lá por cerca de duas horas. Saio e sigo a pé de volta à avenida. (Nota: hoje, justamente por andar a pé por ali depois de muitos e muitos anos, descubro que a avenida Paulo VI, construída no final dos anos 1970 - é ela que passa sob a estação Sumaré, esta pendurada sobre ela e debaixo da avenida Doutor Arnaldo -, teve o nome prolongado pela pista da agora ex-Avenida Sumaré até a praça Irmãos Karmann, quase na esquina da rua Professor João Arruda. Agora, trocaram até a numeração: a Paulo VI começa na praça. A avenida Sumaré acaba na praça. Detalhes que são para serem explicados para quem conhece a fundo a região.)

Desta vez sigo a pé pela avenida no sentido da Henrique Schaumann. Na altura da rua Capote Valente, paro num ponto de ônibus, tomo um que segue para o Terminal de Pinheiros e desço ali. Alguns poucos passos e já estou dentro da estação Pinheiros da CPTM. Um trem para Presidente Altino e, daqui, outro para Carapicuíba. Um ônibus e já estou em casa de novo. São quatro horas da tarde. Gosto disso.


sábado, 16 de julho de 2016

O CORREIO E A SÃO PAULO RAILWAY, 1929

Antigo carro-correio da SPR, fabricado em 1895. Acervo ABPF
Em 1929, as ferrovias tinham importância fundamental para a distribuição de correspondência pelo Correio. A São Paulo Railway - SPR - somente reservava um carro diário para o Correio, no trem que deixava a Estação da Luz às 5h13 da manhã. Por ali escoava para o interior a correspondência e os jornais para a região da Companhia Paulista e da Mogiana, além, é claro, das pequenas vilas e bairros atendidas pela SPR entre São Paulo e Jundiaí.

Tudo funcionava bem, exceto aos domingos. Nestes dias, a correspondência era maior e os jornais, mais volumosos. O carro-correio ficava então superlotado de jornais, e, jornais que chegavam por último não conseguem lugar. Os funcionários passam a recusá-los. O problema não era a hora de chegada, mas sim o espaço para colocar todos. E não adianta chegar muito antes da hora de saída do trem, pois este encosta na plataforma às 5 em ponto. Às vezes havia briga e tudo - correspondência e jornais - seguia amontoado dentro do vagão.

Havia mais problemas, além do fato de a SPR recusar-se a aumentar o número de carros para o Correio e jornais. Havia eventualmente extravio de jornais. Uma reclamação contra um extravio somente poderia ser aceita pela ferrovia pela distribuição de recibos de entrega na estação; porém, muitas vezes, os funcionários recusavam-se a emiti-los, alegando falta de tempo.

Em outras palavras, a SPR estava longe de ser uma maravilha, embora fosse, de longe, a mais lucrativa ferrovia que já pisou este país, apesar de seus "pífios" 140 quilômetros, apenas, de extensão. O monopólio da Serra do Mar fazia tudo ser assim. Os funcionários eram continuamente acusados de serem arrogantes e de trabalhar mal.

A SPR, sabemos, era de propriedade de ingleses. Será que, na Inglaterra, nas ferrovias inglesas, era assim também?

quarta-feira, 13 de julho de 2016

INDIANÓPOLIS, SÃO PAULO, 1973-2016


Uma propaganda de 1973 publicada no jornal O Estado de S. Paulo mostra a venda de casas geminadas na cidade de São Paulo, mais precisamente dando frente para a rua Kalil Filho, com a primeira delas fazendo esquina com a avenida Miruna. O fato, em si, já começava a ser raro, pois a oferta de prédios de apartamentos crescia em escala logarítmica.

Somente para constar: Kalil Filho foi o mais célebre dos jornalistas-âncora do famoso Repórter Esso. Posso estar misturando fatos, mas, se não me engano, ele teria falecido no final dos anos 1960 num acidente na curva da Marginal do Rio Pinheiros (hoje, avenida Nações Unidas), sob a ponte da Euzebio Matoso.

O bairro de Indianópolis, no entanto (não é Moema neste caso, pois as casas estão além da avenida Rubem Berta), ainda tinha muitos terrenos vazios e prédios não eram construídos ali - aliás, as casas ficam praticamente em frente à pista do aeroporto de Congonhas, separada dele por um quarteirão apenas e pela avenida dos Bandeirantes. Doze anos antes, quando meu avô Hugo ainda morava por ali, eu mesmo me lembro, nos meus nove anos de idade apenas, de poucas casas no meio de um enorme descampado.

O anúncio, mostrado no topo deste artigo, mostra como deveriam ser as casas, que, suponho, ainda estavam em construção ou mesmo antes disso. A fotografia, mais abaixo, extraída do Google Maps, mostra a situação das casas hoje. O que mudou? Janelas e muros altos e/ou enormes portões. As janelas eram de madeira e hoje são de alumínio: isto deve ter sido alterado com o tempo de uso.

Enfim, um retrato de São Paulo há 43 anos atrás, comparado com a (falta de) segurança de hoje.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A FEPASA DE 1905

Hugo Augusto Rodrigues
"Uma nova era economica se anuncia. O espirito de associação cresce e affirma-se garantindo a expansão das forças nacionaes. É o preambulo de um grande futuro que desponta. É o signal da vitalidade que nos anima, exprimindo o grau de confiança em nossos proprios recursos. A fusão da Paulista e Mogyana, tendo por escopo a acquisição da Sorocabana, é uma gigantesca tentativa, que cobrirá de beneficios S. Paulo e o Brasil inteiro. É a conquista de toda essa vasta riqueza concentrada na bacia do Prata".

Com uma frase como esta, parecia que o futuro do Brasil era maravilhoso e a curto prazo. Este texto foi escrito nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo, em 16 de outubro de 1904, um domingo. Ele apoiava, claramente, a então dada como praticamente certa (pelo menos pelo jornal) fusão das três maiores ferrovias paulistas.

A crise econômica da época de Campos Salles estava acabando. A Sorocabana havia falido - a crise vinha de longe, desde antes da sua fusão com a Companhia Ytuana em 1892. A massa falida foi assumida pelo Governo Federal. O Governo do Estado estava comprando-a. São Paulo era mais rico que o Brasil?

Outro domingo, 20 de novembro de 1904, e o mesmo jornal diz que "ouvimos, de pessoas bem informadas, mas, ainda assim, damos uma noticia com as necessarias reservas, que se levantam algumas difficuldades para a fusão da Paulista com a Mogyana. Ao que dizem, a Ingleza, descontente com a projectada ligação de Itaicy, não só prestará a facilitar o emprestimo necessario para a acquisição da Sorocabana,  mas tambem procurará, por todos os meios, embaraçar que essa operação se realise. É possível, porem, que os iniciadores da fusão desistiram de levar a nova estrada ao porto de Santos e, então naturalmente, as difficuldades desapareçam".

A São Paulo Railway, SPR, ou "Ingleza", como queiram, jogava pesado com as três empresas brasileiras, duas particulares, uma estatal. Havia muitos interesses em jogo, como houve com a Mogiana, que tonou uma rasteira da SPR e viu a compra da Bragantina por esta (1903) jogar ao lixo sua pretensão de estender um ramal até Santos ou São Sebastião) e não depender mais dos ingleses.

Além do mais, a Sorocabana estava em rixa com os ingleses por causa da sua intenção - aliás, não somente intenção, como ela chegou por um tempo a fazer isso - de desviar suas cargas e também passageiros para Mairinque e chegar a São Paulo pela sua própria linha e não mais por Jundiaí, que ficaria somente com as cargas que seguissem para Santos.

Itaici era o foco deste problema. Estação que funcionava havia mais de trinta anos, a partir de 1897 passou a estar ligada até Mairinque, o que possibilitava o desvio para a linha-tronco da Sorocabana do que vinha de Piracicaba, Campinas e da Funilense. Agora, já se anunciava a possibilidade de ligação de Itaici também com Campinas, o que não somente desviaria cargas de lá e da Funilense, como também da Mogiana, que estaria ligad a Mairinque por uma linha direta sem alteração de bitola.

Pouco mais de três meses se passaram e, em 25 de janeiro de 1905, agora o jornal Correio Paulistano informava que o Congresso Estadual reunir-se-ia em 6 de março para organizar a Sorocabana nas mãos do governo do Estado ou transferir sua exploração, A fusão não deu em nada, a Sorocabana acabou sendo posta à venda pelo Estado e a SPR entrou na dança para comprá-la. Porém, o empresário Percival Farquhar foi mais hábil e ficou com ela.

Quanto à Mogyana, a intenção de ser absorvida pela Paulista não a agradava, ainda mais com a Sorocabana já fora da "fusão". E tudo parou por aí.

Calro que houve muitos outros detalhes nessa história.