sexta-feira, 30 de junho de 2017

ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS NO FIM DO MUNDO

Estações de Cravinhos: até 1964, no centro da cidade (no canto esquerdo inferior do mapa do IBGE); depois, a nove quilômetros de distância (no canto direito superior do mapa). A estrada em vermelho que cruza o mapa em diagonal ligava as duas estações e era de terra até os anos 2000.

Hoje pela manhã estava comentando uma foto postada por Eduardo da Silva no Facebook, da estação de Piramboia-nova, no Estado de São Paulo, na linha da Sorocabana.

Piramboia é um bairro do município de Anhembi, ao sul da região de Piracicaba. A linha-tronco da ex-Sorocabana passa por ali desde os primórdios da sua existência.

A estação de Piramboia original foi inaugurada em 1888. O bairro não passava de um povoado e a estação era ao lado dele. Em 1952, a estação foi fechada ao mesmo tempo em que era inaugurada outra, com o mesmo nome (chamada de "Piramboia-nova" popularmente por algum tempo) na variante recém-aberta e que ligava Conchas a Botucatu.

Esta variante, como boa parte das variantes, passava longe dali - a cerca de três quilômetros do bairro - e a nova estação ficava no meio do nada. Aliás, até hoje, mesmo em ruínas, ainda fica. O que Eduardo postou foi um video que mostrava a estação já em ruínas no início de 1996. Ainda havia trens de linha que paravam na estação - já fechada - desde que houvesse algum passageiro querendo embarcar ou desembarcar.

Ficou a discussão: ainda embarcava alguém lá, considerando-se que era um prédio deserto, sem qualquer funcionário da ferrovia, sujo, sem qualquer infraestrutura, em ruínas e distante três quilômetros do bairro? Eduardo respondia que, nesse caso, sim, havia: "nos finais de semana sempre havia alguém, como por exemplo, minha tia que meu tio levava até lá de carro. Havia uma estrada de terra que acabou por desaparecer rapidamente depois do final dos trens de passageiros no início de 1999. Até os anos 1980 ainda parava durante a noite; nos anos 1990, ele somente parava durante o dia".

As variantes nas ferrovias paulistas começaram a ser construídas nos anos 1910. Não posso garantir aqui que me lembrarei de todas, mas é interessante citar que, em 1916, a Paulista construiu uma variante em bitola larga que ligava Rio Claro a São Carlos, eliminando o trecho antigo em bitola métrica que ligava as mesmas cidades, mas subindo e descendo a serra de Corumbataí (na verdade, a linha original ainda funcionaria como ramal até 1666, quando foi desativada). As novas estações abertas em 1916 na variante eram estações melhores do que as que existiam na linha velha e com nomes completamente diferentes (exceção das estações de Itirapina e de Conde do Pinhal, que mantiveram seus nomes originais, por estarem muito próximas das antigas com os mesmos nomes), por ficarem muito distantes e até em municípios diferentes das originais.

Em 1926-29, a Mogiana abriu uma variante entre as estações de Campinas e de Carlos Gomes. As estações já existentes de Anhumas, Tanquinho e de Carlos Gomes ficaram bastante próximas das antigas e mantiveram os nomes destas. Já na variante Lagoa-Tambaú, construída no final dos anos 1940, as estações ficaram não tão próximas assim das antigas, mas foram construídas ainda nos limites da zona urbana das cidades. Casa Branca, Coronel Correa e Cocais (depois Joaquim Libânio) foram construídas com versões novas, as outras não.

Em 1952 e 1953, foram entregues as variantes da Sorocabana, entre Conchas e Botucatu e entre Rubião Junior e Avaré. Na primeira, algumas das estações novas mantiveram os nomes das da linha antiga (como a de Piramboia). As estações foram em sua maioria construídas em alvenaria e infraestrutura. Todas, no entanto, estavam distantes das estações da linha original. A mesma coisa ocorreu na segunda variante, mas, nesta, as estações foram todas construídas em madeira, como se fossem provisórias. Com exceção da de Avaré (cuja estação ficava na região norte da cidade e a nova foi construída na região sul), que depois de algum tempo (1958) foi reconstruída em alvenaria.
Como se vê, a construção de estações precárias "esperando a definitiva" começou a acontecer em 1953. As variantes construídas depois disso por Paulista e Mogiana - e, nos anos 1970 pela Fepasa -
às vezes tinham estações novas instaladas como vagões fixados numa plataforma de concreto e que às vezes eram substituídas (Mogi-Mirim e Coronel Pereira Lima são exemplos), às vezes não.

Saindo fora do estado, gostaria de citar a construção de algumas linhas novas e variantes, como a Mafra-Lajes, a Lajes-General Luz e a Apucarana-Ponta Grossa (esta, a  E. F. Central do Paraná), abertas entre os anos 1960 e 1970, construíram estações de passageiros definitivas em alvenaria, com vilas ferroviárias e outras dependências. Com exceção da primeira (Mafra-Lajes), cujas estações de passageiros funcionaram até por volta de 1978, as outras duas jamais tiveram trens de passageiros e, desde o início, as instalações não tiveram a alocação de funcionários, resultando em uma enorme quantidade de dinheiro jogada fora. Hoje tudo isso está em ruínas ou mesmo demolido. E por causa da distância muito grande (e consequente isolamento) das cidades e bairros a que atendiam, quase nenhuma chegou a ser ocupada, legal ou ilegalmente.

Claro que existem outras variantes a serem consideradas. Aqui, no entanto, lembrei-me das citadas. Mas parece-me que existia algum tipo de legislação que justificava estações de passageiros construídas em zonas desertas. Exemplos são (Engenheiro Miller, Juca Novais e Miranda Azevedo, 1953, EFS; Piramboia-nova, Eng. Romualdo-nova, Cesar Neto e Apuãs, 1952, EFS; Joaquim Libanio, 1949, Mogiana; Cravinhos-nova, 1964, Mogiana (a 7 km da cidade) e outras. Será que durante todo este tempo, já que as linhas sempre atendiam cargas e passageiros, elas não seriam obrigadas a colocarem nos seus projetos a construção de instalações adequadas para embarque e desembarque de passageiros, mesmo que eles fossem em número muito pequeno?

Poder-se-ia reclamar que as ferrovias construíssem novas linhas e variantes muito longe das zonas urbanas nos anos 1950, 60, 70 e até hoje. Porém, eram as terras mais baratas para serem desapropriadas. A compra de terrenos para ferrovias era muito mais barata no século XIX e no início do século XX. Ainda por cima, era comum fazendeiros da região até doarem as terras para a construção de linhas férreas e estações, pois tinham interesse em ter uma ferrovia próxima. A partir dos anos 1950, esta situação mudou completamente. A tecnologia para construir novas linhas, com túneis e viadutos para eliminar curvas e aumentar bitolas exigia regiões ainda semi-virgens para a passagem.

É claro que o cidadão de Piramboia ou de Cravinhos, além de inúmeras outras cidades que tiveram o local de sua estação alterado reclamavam da distância que agora precisariam percorrer para tomar o trem que antes tomavam ao lado de casa. Mas não havia solução. Ou melhor, havia - que seria a construção de estradas asfaltadas e a implementação de linhas de ônibus para a população que queria tomar o trem. Isso não aconteceu em praticamente nenhuma dos casos. Como já visto lá atrás, a estrada de Piramboia para a estação era um caminho de terra que desapareceu depois que o trem deixou de servir a região. Em Cravinhos, por exemplo, o trem acabou em 1997 e a estrada para a estação de 9 quilômetros ainda era em terra em 2000, quando estive lá! Há dezenas de outros exemplos a serem colocados neste sentido, mas não são necessários: as prefeituras jamais se importaram com a necessidade de suas populações de tomar o trem. Evidentemente, o número de passageiros que tomavam trens e que começaram a diminuir a partir dos anos 1950 tinham vários motivos para deixar de usar a estrada de ferro, e a falta de transporte até os locais de embarque certamente era um deles.

E hoje, temos o que temos: não há trens de passageiros, as estações foram abandonadas, demolidas, arruinadas...

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